Psicologia esportiva – Os desafios no lidar com a saúde mental dentro do basquete rubro-negro

Antigamente existia um tabu muito forte quando o assunto era psicologia e esporte, poucos acreditavam na importância do trabalho do psicólogo como aliado na construção de um atleta ainda mais competitivo dentro do esporte. E essa realidade vem mudando a cada ano, o esporte de alto rendimento tendo a necessidade de um suporte cada vez maior da psicologia para lidar com alguns gatilhos que acabam ocorrendo em virtude das competições como – crise de ansiedade, depressão, auto cobrança acima do normal.  O Garrafão Rubro-Negro conversou com exclusividade com Paulo Gasparini, psicólogo do CUIDAR, que falou como é feito o trabalho de psicologia no Flamengo e com os atletas de basquete do clube.

Entrevista – Paulo Gasparini (psicólogo do CUIDAR)

Primeiramente gostaria que você falasse como é realizado o trabalho da psicologia no CUIDAR junto com os atletas? O atendimento e a orientação aos atletas são feitos somente de forma presencial ou existe um canal aberto para qualquer ajuda fora da estrutura do CUIDAR?

O CUIDAR é o responsável por atender todos os esportes olímpicos do Flamengo.  Aqui nós temos a psicologia, nutrição, médicos, fisioterapia, massoterapia, departamento cientifico estatístico e a gerência por parte da Isabel. A psicologia esportiva não é clinica, aqui a gente busca maximizar a qualidade do atleta nos aspectos técnicos, táticos, físicos e psicológicos e no nosso caso é trabalhar com a parte psicológica. E o que eu tenho feito com os atletas? Eu trabalho em grupos ou individual, muitas dessas vezes incluindo a comissão técnica.  E trabalhamos os seguintes itens – pós concentração, comunicação, controle de ansiedade, técnicas de relaxamento para que isso favoreça o crescimento do atleta como um todo.  O atendimento eu faço na minha sala dentro do CUIDAR de forma individual, recebo todos de máscara, seguimos todos os protocolos, eu já tomei 3 vacinas, incluindo a da gripe. Com isso eu estou autorizado a iniciar os atendimentos presenciais e também estou mantendo o trabalho através de home office. No Flamengo eu tenho feito esse atendimento presencial e home office. E isso tem funcionado muito bem. Lembrando que durante a pandemia inicialmente eu estava direto em casa e trabalhei bastante nesse período. Foi muito legal e funcionou muito bem esse período maior de home office.

Na entrevista de apresentação do pivô Vitor Faverani, ele fez questão de elogiar o psicólogo do CUIDAR e o trabalho de vocês. Como vocês recebem esse elogio de um atleta de tanta qualidade e com passagem pela Espanha e a NBA?

Claro que é fantástico para mim e para o nosso departamento ver um atleta do nível dele elogiar o nosso trabalho. Lembrando que eu tive três conversas informais com ele a respeito do que eu venho desenvolvendo no Flamengo e acredito que ele tenha conversado com outros profissionais, não somente do CUIDAR, mas também da sua equipe e olhou o trabalho que eu venho desenvolvendo. Eu quero agradecer o elogio do Vitor. O CUIDAR está muito feliz em saber que vem colaborando com a recuperação dele para ele brilhar no Flamengo como sempre nós desejamos.

Quem acompanha o basquete de perto sempre teve uma curiosidade de saber como é feito o trabalho da psicologia com os jogadores. Existe uma diferença no lidar com os jogadores de basquete da base comparado aos jogadores da equipe adulta? A questão da pressão por resultados e como isso afeta o lado mental dos jogadores da base e do adulto é algo que vocês chegam a trabalhar com os jogadores que procuram vocês no CUIDAR?

Claro que existe uma diferença no trabalho da psicologia entre a base e o adulto. Principalmente o de base transição que são os atletas que estão no último ano na base e irão virar adulto logo em seguida. O grau de preocupação e a ansiedade do atleta da base nesse momento é diferente do adulto. O do adulto é sempre querer jogar no alto nível, ser convocado para a seleção brasileira, melhorar a carreira dando um up no exterior, fechar contratos financeiramente melhores e se manter mais tempo nessa profissão como jogador de basquete que é muito difícil. O atleta da base ainda vai se formar, a preocupação dele em se formar adulto é diferente daquele atleta que já é adulto e consagrado, ou seja, definido como de alto nível. Nós do CUIDAR trabalhamos isso em equipe. É um trabalho mental e com o atleta da base buscamos controlar mais essa ansiedade e preocupação em quadra. Já o adulto é que ele consiga se manter mais tempo durante a carreira dele com certeza lidando com outros profissionais de alto nível e ai sim temos a questão da vaidade, a questão do ego, e isso é trabalhado dentro do Flamengo com muita tranquilidade. Todos os profissionais daqui se ajudam e se respeitam.  O Flamengo em uma equipe de basquete adulta que é muito integrada, muito respeitosa e nós aqui colaboramos sempre da melhor maneira possível. Não temos esse tipo de demanda no momento.

Na Olimpiada de Tóquio, a ginasta Simone Biles deu o alerta mundial sobre a importância de respeitar o corpo e a saúde mental em certos momentos e não ir ao seu limite. Para encerrar essa entrevista, tendo como base a atitude que a Simone teve, quais seriam os gatilhos que na visão de vocês seriam importantes para familiares e amigos observarem nos atletas que podem ser sinais que eles precisem de uma ajuda psicológica naquele momento? A depressão e a crise de ansiedade poderíamos afirmar que são os grandes dilemas da psicologia perante os atletas de alto rendimento hoje?

A Simone não chegou no seu limite psicológico, ela ultrapassou. Na minha análise como psicólogo do esporte é que ela deve ter apresentado sinais anteriormente que indicam que ela não está bem e ela teve a sua crise dentro da Olimpiada. Claro, o mundo esperava dela mais uma grande atuação. Talvez ela não tenha sabido lidar com isso.  Eu não posso afirmar quais seriam os fatores, apenas observamos os sintomas. Só quem está lá dentro pode falar melhor a respeito do que aconteceu sejam os fatos e as causas que geraram essa decisão dela e que foi muito acertada. Lamentavelmente foi dentro da Olimpiada. E como indicar e orientar os pais e mães a perceber quando seu filho que é atleta não está no caminho ideal, o atleta começa a demonstrar desinteresse pela atividade, apatia, uma irritação extrema, tudo incomoda, não tem prazer em falar do seu trabalho e quando fala, acaba falando mal. A sua rotina diária começa a mudar, alguns casos tem um próprio desleixo com a sua carreira. Tem atletas que acabam ficando muito isolados no seu próprio quarto, um afastamento do seu contato social, mesmo fora do período da pandemia e fica focado somente nas redes sociais e assim faz o seu contato com a equipe técnica. Isso são indicativos que o atleta não está bem. Existe também um fator que é a crise de fúria, o atleta intempestivo e ficamos nos perguntando o que está acontecendo ou aconteceu com esse jovem atleta. E aqui no CUIDAR seja eu, médico, nutrição e as demais áreas estamos sempre no clube para ouvir, pois muita das vezes o atleta vai falar do seu incomodo fazendo uma massoterapia, uma fisioterapia, ou com o médico quando ele vai falar sobre um assunto e acaba falando de outro. A nutricionista do CUIDAR já nos citou que teve vários atletas que descobriu quadros de bulimia e anorexia e ai passamos a dar um olhar diferente para esse atleta. No meu caso eu até oriento a essa pessoa a fazer uma terapia, um acompanhamento psiquiátrico, um exame neurológico, pois aqui eu faço a psicologia do esporte. Eu não faço a psicologia clinica dentro do Flamengo, eu faço ela fora do clube.  A depressão é a doença mais séria e devastadora da humanidade. A pandemia só veio a acentuar esse tipo de problema. A depressão rara às vezes se instala de um dia para o outro, só no caso de uma catástrofe, pode ocorrer de você perder uma pessoa amada de um dia para o outro pode gerar um quadro depressivo rápido. Com tudo, a depressão vai se instalando aos poucos. Isso temos que analisar os sinais de comportamento e humor da pessoa.  Então no atleta que recebe a pressão por resultados, de desempenho, fechar contratos, ganhar dinheiro, se apresentar na mídia, ficar famoso, isso tem que ser trabalhado em prol do atleta para que ele goste desses desafios do que ao invés desse desafio virar uma pressão negativa e ele ficar num estado de medo, de angústia, de desanimo o que já gerou muitas das vezes sabemos disso que são os desvios, ou a dependência química, o uso de drogas. O meu trabalho dentro do CUIDAR é esclarecer, orientar, acompanhar e trabalhar, sendo que alguns casos sugerir um trabalho externo para que esse atleta junto com seus familiares e seu treinador tenham o melhor atendimento possível.  O que ocorreu com a Simone Biles serviu para a gente entender até que ponto podemos pressionar o atleta, de que maneira devemos pressionar um atleta, claro todos buscando o seu melhor desempenho, alto nível, para que não possamos perder esse atleta no futuro.

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